Paiva Setubal
HEROIS DO MAR…
Ao meu Amigo José Barão e ao seu Tu-Barão renovo os PARABÉNS pela manutenção deste seu espaço de liberdade informativa. É algo do muito pouco que resta em Odivelas como espaço de comunicação independente. Num Concelho onde as “forças vivas” vivem, mas vivem envenenadas, sob o receio permanente de que lhes aumentem a dose do veneno que as mate de vez, o espaço para a comunicação social independente está reduzido à expressão mais simples. No mês passado mais um jornal regular desligou os computadores. Este é um tema que nos deveria preocupar a todos, mas se preocupa… preocupa muito baixinho… “não vá a menina acordar”…
Em todo o caso não é este o meu tema de hoje, agradecendo ao “Zé Barão das Neves” a oportunidade da colaboração. O texto tem por base um trabalho que publiquei já há alguns anos tendo sido atualizado agora. Hoje apeteceu-me trazer ao “Tu-Barão” a história de heróis marinheiros, o que até vem a propósito tratando-se do relacionamento com um “tu-barão”.
Não há propriamente uma razão muito evidente para este apetite, mas deu-me para aqui e para dar testemunho dos valores portugueses não há datas próprias. Qualquer data é boa.
Se há Nação que despreza tudo o que tem de melhor… é Portugal. Para os portugueses o que é português é mau. Trata-se de uma estúpida herança dos 50 anos de isolamento, fechados nas nossas fronteiras terrestres, tendo como caminho de saída único o mar, e mesmo assim apenas para os espaços controlados, ou pseudo-controlados, por Portugal.
E nestes meandros do desprezo pelo que é português, entra com particular crueldade o esforço militar de milhões de portugueses que, desde 1911, lutaram em circunstâncias geralmente dramáticas pela manutenção da Pátria, aquela coisa que se aprendia na escola valer mais do que a própria vida, e que hoje se vende “a pataco”, na feira da ladra da política portuguesa (europeia, dizem eles !).
Desde a 1ªGrande Guerra (1911/1914) até aos nossos dias, os políticos portugueses sempre mostraram vergonha dos seus heróis. Os homens que deram a vida, a saúde e muitas vezes parte do seu corpo, têm sido sistematicamente esquecidos e não poucas vezes espezinhados, pelos dirigentes civis e militares.
Havia começado há pouco o ano de 1943 e a 2ª Grande Guerra ganhava dimensão dia a dia, quando a Marinha portuguesa foi chamada a um processo de salvamento no mar dos Açores. Para quem não está nesta onda convém explicar que ao largo dos Açores passavam as rotas de navegação que atravessavam o Atlântico, tanto para navios mercantes como militares.
É desse acontecimento que juntei algumas notícias e informações internas da Marinha Portuguesa, além da correspondência diplomática que então foi trocada e que chegou até nós. Tratou-se de socorrer um navio americano, realmente foram 2 navios (“City of Flint” e “Julia Ward Howe”), bombardeados e afundados pela marinha alemã que tentava impedir as ligações entre os dois lados do Atlântico.
Na época Portugal até tinha Marinha, navios de guerra, marinheiros e tudo.
O Governo dos Estados Unidos reconheceu a heroicidade da ação portuguesa, os marinheiros americanos contaram como foram salvos e acarinhados em palavras de agradecimento verdadeiramente comoventes.
Existem os documentos que o provam, e no entanto, na edição de 2 de Fevereiro de 1943, o Diário de Notícias não “conseguiu” mais do que um espaço na 2ª página para uma notícia sobre esta operação de salvamento, com 8 linhas, no fundo da 2ª coluna de numa página a 7 colunas, o que dá bem a ideia da importância que a notícia não teve:
118 Americanos
Salvos por Navio de
Guerra Português
LISBOA, Fev. 1—Foi anunciado
hoje que o destroyer português "Lima"
tinha salvo 118 americanos, cujo
navio fora metido no fundo ao
largo dos Açores no dia 27 de Janeiro.
O "Lima" desembarcou os
marítimos americanos no porto açoreano
de Ponta Delgada.
O “Lima” chegou a fazer 67º de inclinação, o Marinheiro que esteve e aguentou o leme do “Lima” naquela operação foi parar ao hospital, após desembarque em Lisboa, com várias “peças” partidas entre pernas, braços e costelas, e o reconhecimento nacional que mereceu foi o impedimento de qualquer promoção durante todo o tempo restante, mais de 30 anos, ao serviço da Marinha de Guerra Portuguesa.
Para um entendimento mais completo convém deixar o esclarecimento de que este Marinheiro não perdeu nenhuma oportunidade de participar ativamente nas várias tentativas de reposição da Democracia que a Marinha Portuguesa organizou nos anos subsequentes. Tentativas de revolta sempre abafadas pelo regime no poder. Daí que o prémio que lhe deram foram comissões de serviço, de 6 meses que duravam 3 anos (e mais) em Timor, em Macau e na Índia (Goa, Damão e Diu). Esse Marinheiro chamou-se Mário Calvário Setúbal.
Tradução de parte de um ofício que em 3 de Fevereiro de 1943 foi enviado ao Comando deste navio pelo Consul dos Estados Unidos em Ponta Delgada:
“...também desejo aproveitar esta oportunidade para outra vez lhe exprimir a profunda gratidão de todos os 118 oficiais e marinheiros dos navios “City of Flint” e “Julia Ward Howe” tão heroicamente salvos do mar depois dos seus navios terem sido afundados.
Para expressar a sua sincera gratidão transcrevo uma carta que aqueles homens escreveram e me entregaram para enviar ao Governo dos Estados Unidos:
- Nós, os abaixo assinados oficiais e tripulantes dos infortunados navios “City of Flint” e “Julia Ward Howe”, respeitosamente pedimos que o Governo dos Estados Unidos, em nosso nome, agradeça oficialmente ao Comandante, Oficiais e Guarnição do Contra-Torpedeiro “Lima”. Sabemos que eles se colocaram acima e além do cumprimento do dever procurando, salvando e acarinhando os náufragos daqueles navios. Sepultaram um dos nossos mortos com todas as honras e trataram os sobreviventes com o melhor que possuíam em comidas, vestuário e outras comodidades. Nós respeitosamente pedimos que estes bravos e galhardos marinheiros sejam oficialmente agradecidos e recomendados pela sua devoção ao código do mar, por terem prestado um inestimável serviço aos seus semelhantes, à Marinha Mercante e ao Governo dos Estados Unidos.”
Zé Barão, meu querido Amigo, um abraço grande. Até pr’ó ano. PARABÉNS !