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TU-BARÃO

Órgão de opinião própria sem periodicidade e com muita vontade de emitir opiniões sobre o nosso quotidiano

TU-BARÃO

Órgão de opinião própria sem periodicidade e com muita vontade de emitir opiniões sobre o nosso quotidiano

08.03.12

Ja circula entre todos os colaboradores do BCP


 O artigo que Jardim Gonçalves publicou hoje no Jornal de Negocios:

 

Em Dezembro de 2007, ao cessar funções nos órgãos sociais do BCP, expressei o desejo que a minha saída fosse pelo bem do Banco, então o maior Banco privado português com 4,6 milhões de clientes, 21 mil colaboradores e 10,5 mil milhões de euros em capitalização bolsista. A instituição prevaleceria em relação às pessoas – pesavam a sua história e a relevância que conquistou na economia portuguesa. Era o que me dizia o conhecimento da Casa e das pessoas que a fizeram. E o BCP tem toda uma vida que vale a pena recordar, pois é dela que parte o próximo futuro. Faço-o quando tenho muita pressão para comentar as alterações recentes de governance e de liderança. Seria fácil, mas cruel, carregar sobre o novo Presidente a carga de uma recuperação, quando esta só se pode processar no reviver da própria história do Banco.

A fundação

O Banco nasce em 1985 com a abertura da actividade bancária à iniciativa privada. Vivia-se um ambiente positivo em Portugal, num ciclo económico favorável, com a internacionalização da economia portuguesa, a estabilidade política e o processo de integração na então Comunidade Económica. Apesar da abertura a projectos inovadores, o país estava "confortado" com a banca pública e céptico quanto ao aproveitamento de oportunidades decorrentes da liberalização do sector.Deixei a presidência do então maior Banco português (o Banco Português do Atlântico) para presidir ao menor dos menores - um Banco por constituir, sem sucursais, sem colaboradores, sem clientes, sem resultados. Com uma proposta de valor totalmente inovadora, o BCP abre ao público em 1986 com 2 sucursais. Começava do zero um banco comercial privado de capitais nacionais, mas que reunia, desde o primeiro minuto, uma vontade firme, determinada e convicta do seu grupo de promotores e investidores. E a iniciativa privada não desiludiria o País. A tecnologia e as pessoas eram a base de uma estratégia revolucionária para a segmentação, com que o BCP veio perturbar o mercado. Ofereceu um atendimento integrado ao Cliente, remunerou as contas à ordem e introduziu em Portugal a figura do "Gestor de Conta". Constantemente o BCP esteve à frente do seu tempo. Entre muitas outras operações lançadas em Portugal e no exterior, incluindo seguros e crédito especializado, o BCP lançou a NovaRede em 1989, o Banco 7 em 1994, o Banco Expresso Atlântico em 1996 e o ActivoBank7 em 2001 - tudo novidades.

Um projecto interrompido

Em oito anos, o BCP atinge organicamente uma quota de mercado de 9%, idêntica a outras grandes instituições da altura. Com a aquisição, restruturação e integração de diversas instituições financeiras em Portugal, o BCP reforçou o seu posicionamento e atingiu massa crítica, tornando-se o maior grupo financeiro português cotado em Bolsa e com capacidade de afirmação europeia.Através de uma cuidada estratégia de alianças e parcerias, a internacionalização começa em 1990 por acordos com o Grupo Cariplo, de Itália, com dois grupos seguradores europeus Friends Provident e Avero Central Beheer e com o Banco Popular Espanhol para o lançamento de start-ups em Portugal e nos países dos parceiros. Em 1998 celebrou-se a parceria com o polaco BBG, criando-se as bases de expansão na Polónia. Tudo contribui para a diversificação do Risco e para o aumento dos resultados do Grupo, que em 2005 marcava presença na Polónia, Grécia, Turquia, França e Luxemburgo, Estados Unidos e Canadá, Moçambique e Angola.


Nesta estratégia houve sempre toda uma preocupação pela reciprocidade, de tal forma que nós e os parceiros nunca sentimos perda de soberania nos respectivos mercados, preservando-se assim a independência estratégica de cada um, com a clara vantagem de poder intervir em mercados muito maiores.

Mas na base do sucesso do projecto BCP estiveram sobretudo dois factores muito críticos – a forma de governo da sociedade e a gestão das pessoas por via da forte coesão e cultura de Grupo, esta mais relevante do que a cultura profissional de Banco.

Era desígnio fundacional a clara independência entre a propriedade e a gestão do Banco. Um administrador executivo não recebia qualquer interferência do accionista e respondia ao Presidente pelo dia-a-dia do negócio. Só desta forma é possível garantir a estabilidade e servir equitativamente todos os accionistas de uma instituição.

Pioneiro também em matéria organizacional, o BCP soube cultivar o factor de sucesso intemporal e do qual um Presidente executivo nunca pode ser ausente – a gestão das pessoas.

Quebrando o que era norma, nunca houve no Banco, para além da gestão administrativa, uma direcção de recursos humanos. A gestão das pessoas era atribuída a quem melhor está habilitado a compreender os seus problemas – a hierarquia directa - mas sempre constituindo pelouro do Presidente executivo. Foi criada para cada colaborador a figura do "Patrono", sempre um membro da Alta Direcção do Banco, com o intuito de reforçar o acolhimento e a gestão de conflitos que sempre podem acontecer.

Com as aquisições efectuadas, milhares de colaboradores receberam formação de integração. Em 2000, o BCP passou a empregar 28% dos colaboradores bancários em Portugal. Enquanto Presidente executivo, visitei todas as sucursais do Banco. Conheci todos os colaboradores do Grupo e sempre recebi quem o solicitou. Mais tarde, em 2003, deu-se início ao ciclo de "Encontros Millennium" e o Banco abriu-se mais aos stakeholders em cada comunidade, exibindo marca única mas respeitando a história e tradição de todas as Casas absorvidas.

Os benefícios atribuídos aos colaboradores BCP foram sempre distintivos, e alargados às Casas acolhidas. Os apoios na saúde e sociais, a remuneração fixa e variável, as contribuições para o fundo de pensões, o Clube de actividades culturais e recreativas, eram reflexo de todo um espírito de partilha e de genuíno respeito que sempre sobrou da cultura do Grupo.

O acolhimento no BCP estabelecido no primeiro dia de trabalho de cada colaborador era com o Presidente do Banco, o que deixou uma memória forte em todos. Era fundamental o sucesso de equipa – uma cultura empresarial marcada pela liderança, excelência, rigor e coesão, predominando a clareza de actuação tão crucial para a motivação.

Com um caminho persistente no sentido da liderança, o BCP, de 1986 a 2007, cresceu anualmente 23% em colaboradores, 30% em sucursais, 42% em crédito a clientes, 35% em recursos e 41% em resultados líquidos.

Com um peso e influência na economia portuguesa em crescendo, o Grupo, sensível à função dos Bancos nas economias e em particular aos Centros de Decisão Nacionais, via a sua responsabilidade para com o mercado, a sociedade e o país aumentar exponencialmente.

Em 20 anos os stakeholders do BCP viram inovação, liderança, estabilidade e coesão, mas um só Presidente executivo. Em 6 anos (de 2005 até hoje), o Banco somou três Presidentes e muito sofreu gratuitamente. Este não será o melhor caminho para a instituição prevalecer.

O próximo futuro

O BCP é pois hoje um projecto interrompido. Já com início em 2006, a estabilidade veio dar lugar à instabilidade, a coesão à desagregação, e a visão e capacidade de decisão à indefinição.


As pessoas de bem fizeram o possível e o impossível para evitar a interrupção deste projecto e os correspondentes custos para o País. Em Dezembro de 2007, a proposta de eleição de Filipe Pinhal e sua equipa tenta preservar o BCP. Não foi possível por razões já hoje descortinadas e que se destinaram exclusivamente a afastar pessoas com campanhas mediáticas, que habilidosamente foram convertidas em processos que ainda estão em curso.

A partir de 2008 provoca-se declaradamente a desagregação entre a instituição e as pessoas. Quando o Banco se ausenta da defesa dos seus ex-administradores e, para mais, não trata devidamente da sua própria defesa enquanto instituição, apesar do brio profissional dos seus mandatários judiciais, acontece um golpe muito duro na coesão da Casa.

A defesa das pessoas e da instituição devia ser una e indivisível, e levada a cabo pelos mesmos especialistas; as apólices de seguro dos ex-administradores deviam ser devidamente respeitadas. Mas tal não aconteceu. O simples intuito de forçar as defesas ao nível individual prejudicou a eficácia, provocando deliberadamente a desagregação.

Que confiança ou futuro pode trazer este "modus operandi"? Toda esta postura, toda esta falta de coesão, demonstram a ausência de um dever de diligência que jamais se podia ter admitido, e que para mim foi um sintoma de um período insatisfatório na vida do BCP. Os accionistas tardaram em percebê-lo.

Foi feita muito má utilização do bem social que é o BCP, em prejuízo de toda uma sustentabilidade que o sector financeiro e a economia mereciam.

Em preparação do próximo futuro, accionistas do BCP instalaram um novo modelo de governo e novas equipas de gestão. Sonhos à parte, e mérito seja dado à equipa executiva, deseja-se boa a notícia pelo que sinaliza do atentar a um projecto.

Evidente que o sonho fundacional não era nem um projecto interrompido nem a perda de uma independência estratégica. Não vale lamentar. Foi sempre minha convicção que o mercado natural do BCP era o de centenas de milhões de europeus. Consolidar uma presença na Europa permitiria partir então para outros voos e ganhar maior dimensão mundial com agenda estratégica independente e a partir de Portugal.

Mas se o "fado" do BCP fosse a apropriação por uma Casa-mãe, devo sinceramente advertir que todo o sentido apontaria então para uma Casa da mesma família sectorial – e, claro, seria imposto um manual de procedimentos. Não se espere que da integração de sectores muito diferentes, quando um deles é financeiro, resulte franca homogeneidade na geração de valor. Mas a realidade é o que é, e é com ela que temos de viver.

Os desafios são agora muitos mas todos dependem de um mesmo – mobilizar as pessoas.

É sim possível estabelecer um novo ponto de partida, e com novas pessoas na liderança. Mas o BCP terá de ser uno e indivisível de 1985 até hoje, honrando efectivamente o seu passado para então construir o futuro. A mobilização acontecerá - pelo menos enquanto existir no Banco uma memória, última que seja, do acolhimento e depois do crescimento que era dado ao colaborador BCP. Condições de coesão e mobilização são necessárias para que a rentabilidade regresse e a acção recupere.

Perante as adversidades que Portugal enfrenta, imagine-se a oportunidade que seria o retomar de um projecto como o do BCP. As pessoas estão lá – em toda a sua memória, competência e profissionalismo. Só precisam ser mobilizadas.

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